Um ano após a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual intensificarem as ações contra o crack, a chamada cracolândia no Centro da capital resiste e ganha “filiais”. Dados da administração municipal e da Defensoria Pública, relatos de policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes químicos, além de flagrantes do G1, indicam que ruas e avenidas da região central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. Moradores de bairros das zonas Sul, Norte, Leste e Oeste da cidade também passaram a conviver com usuários reunidos em minicracolândias.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam alguns dos motivos que explicam a continuidade e a expansão da cracolândia, entre eles a falta de organização da ação. Além disso, decisões judiciais que impediram a repressão ao consumo de drogas pelas forças de segurança, truculência da PM e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e falta de internação compulsória dos viciados também foram citadas como causas dos problemas.
Depois de a operação começar, o número de vias da região frequentadas por usuários saltou de 17 para 33. O levantamento é da Coordenadoria de Atenção às Drogas, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura. Agentes da pasta tiveram de ampliar o monitoramento das vias no Bom Retiro, Santa Cecília e República. Os craqueiros se espalharam após forças policiais tentarem expulsá-los da Luz.
Alegando que os dados são irrelevantes diante de toda a ação, a administração pública não forneceu à equipe de reportagem o mapa atualizado com os nomes das ruas e avenidas.
A Operação Integrada Centro Legal existe desde 2009, mas, no início do ano passado, quando passou a contar com policiais militares e guardas-civis, parte dos viciados da cracolândia começou a migrar para outras regiões da cidade, numa fuga chamada por eles de “procissão do crack”.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde da Cidade de São Paulo, já foram identificados grupos de viciados em entorpecentes em dez bairros: Sé, Santa Cecília, República e Bela Vista (no Centro); Cambuci e Itaim Bibi (Zona Sul); Bairro do Pari (Zona Norte); Mooca e Belenzinho (Zona Leste); e Barra Funda (Zona Oeste).
Apesar de dependentes continuarem a usar drogas na cracolândia, o secretário municipal da Saúde na gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), Januario Motone, afirmou que a ação da pasta teve êxito. “Melhoramos a saúde dessas pessoas. Elas tinham tuberculose e outras doenças”, disse o secretário, comemorando a atuação dos agentes de saúde, que oferecem tratamento aos viciados.
De acordo com Montone, como a internação dos usuários é voluntária, dados mostram que a maioria desiste do tratamento e volta às ruas. “Não existe política de combate à droga. Temos o número de 71% de pessoas viciadas que desistem do tratamento, segundo dados mais recentes. Isso porque São Paulo é a única cidade com 300 vagas para clínicas terapêuticas”.
Segundo a pasta, até 19 de dezembro foram feitas 89.291 abordagens, que resultaram em 11.279 encaminhamentos para serviços de saúde e 1.363 internações para tratamento de dependência química.
Centro
Na região central, parte da Praça da Sé chega a ficar intransitável por causa dos usuários. “Aqui sempre teve bêbado perto da igreja [catedral]. Agora tem os ‘craqueiros’ que ficam do outro lado, numa sujeira só”, afirmou um funcionário de uma banca que não quis ter o nome revelado. “É bem difícil passar por lá. Toma cuidado para não ser roubado”, alertou.
Andar em grupos é uma estratégia adotada pelos viciados. Além de garantir a segurança deles, isso facilita na hora de fugir da polícia. “Eles conseguem se espalhar e não perdem a droga que ainda possuem”, disse o consultor no tratamento e prevenção de droga Fabian Penyy Nacer, ex-viciado em crack. “Os traficantes se misturam com os usuários e não são pegos com tanta facilidade”.
Nacer contou que apenas um terço dos usuários mora nas ruas. A maioria se refugia em hotéis baratos, casarões e terrenos abandonados para fumar sem ser incomodado. “Longe dos olhos das pessoas, os viciados se matavam e as meninas e meninos de 13 anos faziam sexo com os mais velhos em troca de pedra. Eu sei porque passei dois anos dentro destes casarões”.
O G1 também notou a presença de viciados em ruas e avenidas que antes eram frequentadas por moradores de rua. Ainda no Centro, há a Rua Amaral Gurgel, sob o Elevado Costa e Silva (popularmente conhecido como Minhocão), onde os usuários aproveitam o canteiro central, pouco frequentado por pedestres, e usam a droga sem se importar com o movimento intenso de veículos.
A equipe de reportagem também flagrou consumo da droga no túnel sob a Praça Roosevelt, além da concentração de usuários no Largo do Paissandu, em trecho da Avenida Nove de Julho, na Praça Marechal Deodoro e no Túnel Noite Ilustrada (entre Rebouças e Doutor Arnaldo).
Zona Sul de São Paulo
O bairro de Cidade Dutra, na Zona Sul, a cerca de 30 km da cracolândia original, foi um dos pontos escolhidos pelos usuários e traficantes que ficavam na região da Luz para, respectivamente, usarem e venderem o crack.
Diariamente, dependentes concentram-se em praças e edifícios abandonados entre as avenidas Atlântica e Senador Teotônio Vilela. Por conta dos “vizinhos indesejados”, quem mora ou trabalha na região evita passar por esses pontos. “O pessoal fica deitado ou espalhado na Atlântica, em grupinhos”, relatou um frentista que não quis revelar o nome.
Governo estadual defende PM
O governo estadual defendeu que o uso da PM na cracolândia foi necessário para “quebrar a logística do tráfico de drogas naquela região e resgatar a cidadania”. Como exemplo de eficiência, a corporação destacou, em nota, a desobstrução da Rua Helvétia, “que era ocupada por centenas de dependentes químicos”. Em nota, apontou ainda que 763 suspeitos foram presos e 211 foragidos, recapturados até 2 de janeiro.
O número de apreensões de drogas na região central, porém, é modesto se comparado a outras ações policiais. Desde o início de 2012, foram encontrados na região cerca de 32,7 kg de crack, 19 kg de cocaína e 48 kg de maconha. Em apenas uma semana da Operação Saturação na Favela de Paraisópolis, na Zona Sul, a PM apreendeu 30 kg de cocaína e 333 kg de maconha.
Para o coronel Benedito Roberto Meira, comandante da Polícia Militar do estado de São Paulo, é preciso haver a ação de outros segmentos para acabar com a região conhecida como cracolândia. “Mas, se não houver internação compulsória, a cracolândia vai se expandir mais”, disse Meira.
Há pouco mais de um mês no cargo, ele avaliou que a polícia precisa estar integrada às ações. “O viciado é doente, mas pode ser criminoso também. Quando é viciado somente, a atuação não é da Polícia Militar, mas dos órgãos de saúde porque é uma questão de saúde. Quando passa a ser criminoso, compete à PM agir”, afirmou.
Fonte: G1