O inquérito civil aberto na sexta-feira passada pelo promotor Orlando Bastos Filho é o mínimo que o Ministério Público (MP) poderia fazer diante das denúncias encaminhadas àquele órgão, dando conta de que a maioria das igrejas e templos de Sorocaba está em desacordo com as normas de segurança e não recebeu a vistoria obrigatória do Corpo de Bombeiros para que pudesse funcionar (“Inquérito civil – Igrejas e templos estão na mira do Ministério Público”, 14/8, pág. A6).
O assunto é sério e tem precedentes preocupantes. Em janeiro de 2009, o teto da sede mundial da Igreja Renascer, no guia do Cambuci, em São Paulo, desabou causando a morte de nove pessoas e ferindo 117. Ainda sob o impacto da tragédia, a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba (Aeas), com apoio dos fiscais do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea), realizou uma série de visitas a cerca de 60 templos de Sorocaba, para checar sua documentação e inspecionar instalações. O resultado foi alarmante: cerca de 90% dos prédios sequer possuíam alvará.
A resposta da Prefeitura foi uma “operação especial” que, no começo de abril daquele mesmo ano, emitiu intimações aos responsáveis por 26 templos e igrejas, para que comparecessem ao Paço no prazo de 30 dias e regularizassem sua situação. Na época, o então secretário de Segurança Comunitária, Domingos Abreu Vasconcelos Neto, divulgou a lista das instituições fiscalizadas e os motivos das intimações, que iam da falta de laudo técnico da obra e laudo dos bombeiros a problemas com a inscrição municipal.
De lá para cá, não houve mais notícias de novas fiscalizações (o que não quer dizer que não tenham ocorrido), nem de templos que tenham sido autuados ou mesmo fechados por falta de alvará ou riscos para a segurança dos frequentadores. E foi nesse contexto de pouca informação que novas denúncias de irregularidades chegaram ao MP, com a agravante de que, segundo as acusações, estariam sendo cometidas por favores políticos, devido a ingerências de pessoas ligadas a partidos junto às autoridades municipais.
Se o poder público tem sido complacente com os templos irregulares, como informam as denúncias levadas ao promotor, ou se cumpre corretamente sua obrigação de exigir a observância das normas quanto à documentação e à segurança dos prédios, como afirma o secretário de Segurança Comunitária, Roberto Montgomery Soares, é algo que poderá ser constatado de forma muito objetiva daqui a alguns dias, quando o MP receber os dados solicitados à Prefeitura sobre as fiscalização realizadas e alvarás concedidos.
Mesmo antes de seu desfecho, porém, o episódio já serviu para aclarar uma questão que nem sempre parece bem entendida, sobre os limites legais de atuação das organizações religiosas, que não têm nada a ver com liberdade de crença. A liberdade religiosa, proporcionada pela Constituição e assegurada pela laicidade do Estado, é uma das conquistas mais importantes do povo deste país, um dos poucos em todo o mundo plenamente evoluídos quanto a esse aspecto, no qual uma pessoa pode declarar abertamente sua fé e dedicar-se a suas práticas e rituais sem sofrer qualquer restrição.
As salvaguardas, no entanto, não isentam as instituições religiosas de cumprir as leis nem as livram de responsabilidade sobre suas ações. Qualquer concessão às instituições religiosas, no sentido de abrandar as exigências relativas a obras e vistorias ou mesmo de suprimi-las, é negligência pura e simples, que, longe de constituir tratamento respeitoso, não passa de um jeito omisso de negar aos cidadãos os direitos mais elementares à vida e à segurança. O inquérito aberto pelo MP mostra esse fato muito claramente e, como tudo o que se refere à segurança das pessoas, merece ser acompanhado de perto, em todos os seus desdobramentos.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul